Restrição de Movimento da Coluna no APH: Quando Realmente Indicar?
Um guia prático sobre RMC.
8/19/20254 min read


Introdução
A restrição de movimento da coluna (RMC), anteriormente chamada de imobilização espinhal, é um procedimento amplamente utilizado no atendimento pré-hospitalar (APH) de vítimas de trauma. No entanto, o PHTLS 10ª edição, após novas evidências científicas, vem promovendo abordagens mais seletivas, seguras e eficazes para pacientes com este trauma.
Para os profissionais de saúde que atuam no APH, compreender quando aplicar a RMC — e, sobretudo, quando não aplicá-la — é essencial para prevenir lesões secundárias e evitar intervenções iatrogênicas. Este artigo fornece um guia técnico atualizado com critérios claros e aplicações práticas, utilizando um fluxograma decisório amplamente validado.
1. Terminologia e Evolução dos Protocolos
A substituição do termo “imobilização da coluna” por restrição de movimento da coluna (RMC) reflete uma mudança de paradigma. O foco agora é a minimização de movimento da coluna vertebral, e não a imobilização total — algo impossível de ser garantido com os dispositivos tradicionais, como pranchas rígidas e colares cervicais.
Essa mudança está alinhada às diretrizes de entidades como National Association of Emergency Medical Technicians (NAEMT) e a American College of Surgeons (ACS), que recomendam o abandono do uso universal da prancha rígida e promovem uma abordagem criteriosa e individualizada.
2. Critérios para Indicar RMC no APH
A indicação da RMC deve considerar fatores clínicos e situacionais. O fluxograma decisório utilizado por diversos serviços de APH propõe a seguinte sequência avaliativa:
Avaliação Inicial:
Trauma contuso com mecanismo de lesão preocupante
Alteração do nível de consciência (Escala de Coma de Glasgow ECG < 15)
Presença de dor ou sensibilidade na linha média da coluna
Déficit neurológico ou queixa neurológica
Deformidade anatômica evidente da coluna vertebral
Situações de RMC Indicada:
Vítimas inconscientes ou com comprometimento do estado mental
Indícios de intoxicação por álcool ou drogas
Presença de lesões distrativas (ex: fraturas expostas, grandes queimaduras, esmagamento, desenluvamento, lesões viscerais)
Incapacidade de comunicar ou compreender comandos simples
A presença de qualquer um desses fatores deve levar à restrição imediata do movimento da coluna e ao início de transporte rápido.
3. Quando NÃO Indicar RMC
A não indicação da RMC também deve ser considerada de forma ativa — especialmente para evitar prejuízos ao paciente.
Casos comuns onde a RMC não é necessária:
Trauma penetrante isolado na cabeça, pescoço ou tronco sem déficit neurológico evidente
Paciente com ECG 15, alerta, sem dor na coluna, sem intoxicação, sem lesão distrativa e com exame confiável
Nesses casos, o foco deve ser no transporte ágil, evitando a imposição de procedimentos que podem causar mais danos do que benefícios.
4. Riscos e Efeitos Adversos da RMC Exagerada
A utilização indiscriminada da RMC está associada a diversas complicações. Pranchas rígidas, colares cervicais e fitas de contenção podem provocar:
Úlceras por pressão, principalmente em idosos e vítimas politraumatizadas
Desconforto extremo e piora da dor, dificultando a avaliação clínica
Comprometimento respiratório e dificuldade no manejo das vias aéreas
Aumento da pressão intracraniana
Atrasos no transporte e tempo prolongado na cena
Exames radiológicos desnecessários, muitas vezes apenas para “descartar lesão”
Essas iatrogenias têm levado diversos sistemas de APH ao redor do mundo a revisar seus protocolos, priorizando segurança e bom senso clínico.
5. Protocolos e Ferramentas de Suporte à Decisão
A utilização de ferramentas objetivas padroniza a tomada de decisão e auxilia na capacitação das equipes. Dentre os principais instrumentos:
Fluxogramas de triagem de trauma da coluna (como o exibido neste artigo)
Escalas validadas como Canadian C-Spine Rule (CCS) e NEXUS Criteria
Equipamentos alternativos: como maca a vácuo e prancha scoop, que oferecem segurança com maior conforto
A decisão de aplicar ou não a RMC deve sempre ser documentada e justificada, especialmente em contextos médico-legais e de auditoria clínica.
6. Aplicação Prática do Fluxograma de RMC
O fluxograma apresentado é baseado em diretrizes internacionais e adaptado à realidade brasileira. Seu uso sistematizado melhora o julgamento clínico, reduz o erro humano e prioriza intervenções baseadas em risco real.
Resumo da Aplicação:
Trauma penetrante isolado → Sem RMC, transporte rápido
Alteração de consciência ou dor na coluna → RMC indicada
Paciente alerta, sem sintomas → Avaliação completa → RMC apenas se critérios forem preenchidos
Presença de álcool/drogas, lesão distrativa ou falha de comunicação → RMC indicada
Essa abordagem aumenta a segurança clínica, reduz complicações e melhora a eficiência operacional no pré-hospitalar.
Conclusão
A restrição de movimento da coluna vertebral (RMC) é uma intervenção valiosa — quando corretamente indicada. O uso seletivo, baseado em critérios objetivos e fluxogramas validados, protege o paciente e otimiza os recursos do sistema de emergência.
Para o profissional do APH, dominar esses critérios não é apenas uma exigência técnica, mas um compromisso ético com o cuidado centrado na evidência e no desfecho do paciente.

