XABCDE e o uso do torniquete

Uma breve discussão sobre o uso do torniquete.

8/19/20253 min read

Introdução

A hemorragia externa grave é uma das principais causas de morte evitável em vítimas de trauma. No atendimento pré-hospitalar (APH), o controle rápido e eficaz do sangramento é uma das intervenções mais importantes para a sobrevivência do paciente. Nesse cenário, o torniquete surge como uma ferramenta essencial e que salva vidas, especialmente em casos de sangramento massivo em extremidades. Impulsionado por lições aprendidas em ambientes militares e por campanhas de conscientização como o "Stop the Bleed", o uso do torniquete evoluiu, tornando-se um procedimento prioritário para profissionais de APH e até mesmo para o público leigo treinado.

1. Terminologia e Evolução dos Protocolos

Historicamente visto com hesitação e considerado uma medida de último recurso, o torniquete passou por uma reavaliação significativa. A experiência militar em conflitos recentes demonstrou que o uso liberal e precoce de torniquetes para controlar hemorragias graves de extremidades reduzia drasticamente a mortalidade. Esses aprendizados foram progressivamente incorporados ao atendimento civil, alterando os protocolos. Hoje, o torniquete não é mais visto como um último recurso, mas como o tratamento de primeira linha para sangramentos em extremidades que ameaçam a vida.

2. Critérios para Indicar o Torniquete no APH

A indicação para o uso do torniquete é clara e baseada na avaliação da gravidade da hemorragia. As diretrizes do PHTLS estabelecem os seguintes critérios:

  • Hemorragia Exsanguinante: A principal indicação é a presença de uma hemorragia grave em uma extremidade que não pode ser controlada por pressão direta.

  • Prioridade no XABCDE: O controle da hemorragia exsanguinante ('X') é a primeira prioridade na avaliação primária, precedendo o manejo de vias aéreas, respiração e circulação (ABC).

  • Situações Táticas: Em cenários de risco, como no Atendimento Tático de Emergência ao Traumatizado (TCCC), o torniquete é a primeira e imediata intervenção para qualquer hemorragia significativa em extremidades, sendo aplicado rapidamente sobre o uniforme do ferido.

3. Mitos Comuns e Contraindicações

O maior mito associado ao uso do torniquete é o medo da perda do membro por isquemia. No entanto, os protocolos atuais são enfáticos: a vida do paciente tem prioridade sobre a preservação do membro. A ameaça de morte por exsanguinação é imediata e muito mais significativa do que o risco de danos isquêmicos ao membro, que podem ser gerenciados posteriormente. O torniquete não deve ser indicado para sangramentos venosos ou capilares que são facilmente controlados com pressão direta.

4. Riscos e Efeitos Adversos da Aplicação Incorreta

Embora seja um dispositivo que salva vidas, a aplicação incorreta do torniquete pode levar a complicações.

  • Aplicação Frouxa: Um torniquete que não está apertado o suficiente pode obstruir o retorno venoso sem parar o fluxo arterial, podendo agravar a hemorragia externa.

  • Dor: A aplicação eficaz de um torniquete causa dor significativa, o que é esperado. A dor não deve ser um motivo para removê-lo ou afrouxá-lo no ambiente pré-hospitalar.

  • Dano Tecidual: O risco de lesão isquêmica (dano a nervos, músculos e outros tecidos) existe, mas é um risco aceitável para salvar a vida do paciente. Por isso, a remoção ou o afrouxamento só deve ser considerado em situações de atendimento prolongado e por profissionais habilitados.

5. Protocolos e Diretrizes de Aplicação

Para garantir a máxima eficácia e segurança, a aplicação do torniquete deve seguir um protocolo rigoroso:

  • Escolha do Dispositivo: Torniquetes comerciais (como CAT ou SOFTT) são preferíveis, pois são mais eficazes e seguros que os improvisados.

  • Local de Aplicação: O torniquete deve ser aplicado de 5 a 8 cm proximalmente (acima) do local do ferimento, nunca sobre uma articulação. Em um ambiente tático de risco, a aplicação inicial pode ser "alta e apertada" na extremidade, sobre a roupa.

  • Ajuste: Deve ser apertado até que o sangramento pare e o pulso distal (abaixo do torniquete) não seja mais palpável.

  • Registro do Horário: O horário da aplicação deve ser anotado de forma visível, no próprio dispositivo ou na vítima.

  • Uso de um Segundo Torniquete: Se um único torniquete não for suficiente para controlar o sangramento, um segundo dispositivo deve ser aplicado proximalmente ao primeiro.

  • Não Remover: Uma vez aplicado, o torniquete não deve ser afrouxado ou removido no ambiente pré-hospitalar.

Conclusão

O controle precoce da hemorragia com o uso de torniquetes é uma das intervenções mais importantes e de maior impacto no APH. A compreensão clara de suas indicações, a desmistificação de medos infundados e a aplicação correta baseada em protocolos são fundamentais para todo profissional de emergência. A utilização adequada do torniquete representa a diferença entre a vida e a morte, reforçando seu papel como um recurso indispensável no atendimento ao traumatizado.